A preocupação com a superexposição e o aumento da ansiedade provocada em alguns usuários pelo uso abusivo das Redes Sociais foi tema do artigo "Redes Sociais e Veiculação de Intimidades", publicado no Jornal da Cidade no dia 10 de fevereiro pelo professor mestre Fausi dos Santos.
O professor Fausi é pesquisador na área de Educação Sexual e Redes Sociais pela Unesp de Araraquara, neste artigo ele alerta sobre os perigos que a superexposição podem trazer, como a veiculação de intimidades e dados pessoais que podem ser utilizados por criminosos, como pedófilos e ladrões virtuais.
Alerta ainda sobre a dependência emocional que muitos usuários estão manifestando nas redes sociais, criando extrema dependência e compulsividade na publicação dos afazeres diários e abandonando o convívio social ou familiar.
Redes sociais e veiculação de intimidades
Fausi dos Santos
Lendo relatos se percebe que raras vezes na história o corpo foi tão exposto como na atualidade pelas redes sociais. O que antes ficava privado a um álbum de família guardado a sete chaves, hoje é disponibilizado no facebook, instagram e álbuns virtuais de todos os gêneros. Não é difícil se deparar com perfis abertos onde meninos e meninas se exibem em fotografias em variadas situações. Sejam em eventos públicos, ou na intimidade do quarto, em poses sensuais, às vezes demonstrando atributos de beleza, força, virilidade, ou de posicionamentos ideológicos (político, esportivo, étnico etc).
E claro, um perfil nas redes sociais para ser notado deve invocar e despertar fascínio e atenção. Há uma racionalização na escolha das melhores fotos, na autodescrição daquilo que se deseja que os outros saibam e pensem. O perfil torna-se o palco ou cenário de um grande teatro onde se monta um espetáculo do "eu" construído intencionalmente como um apêndice do eu real, uma personalidade virtual com corpo, atributos e valores pasteurizados. Este perfil deve ser atrativo, com o risco de cair no esquecimento ou ostracismo virtual; para evitar tal risco, o usuário deve utilizar a criatividade, ostentando cenários que sejam sonho de consumo de todos, publicando fotos e vídeos em lugares perfeitos com pessoas fisicamente atrativas. O sucesso de seu perfil se dá pela quantidade de likes que recebe o que demonstra seu grau de aceitação e popularidade na comunidade virtual, e para isto a novidade torna-se uma necessidade constante.
Isso demonstra um aparente paradoxo no qual a preservação da intimidade de alguém, que a todo custo luta pelo direito de ter resguardado seus segredos, afazeres diários e experiências pessoais se vê em colapso nas redes sociais. A virtualização da vida de uma pessoa por meio de um perfil no facebook ou instagram converte em "coisa pública" aquilo que até então pertencia à esfera privada. Óbvio que o "eu" produzido na rede é um avatar construído artificialmente, para dar conta a uma demanda específica do usuário. Um "eu pasteurizado", produto que se serve de aforismos, fotos posadas e otimizadas por filtros, vídeos editados e situações muitas vezes simuladas que passam a impressão aos demais usuários, de uma vida perfeita, feliz, realizada e cheia de realizações. Muitas vezes, quando confrontadas com a realidade concreta, tais adjetivos não se sustentam.
Somente uma análise mais demorada demonstra que as redes sociais, podem se converter num alter ego ao usuário, no qual projeta como uma prótese de si tudo aquilo que não pode ser ou ter na vida real seja por limites físicos, financeiros, psicológicos ou deficiências educacionais. É a tecnologia convertida como "técnica e cuidado de si", um instrumento de projeção do "eu", a um reino de fantasias virtuais onde goza do prestígio e admiração de usuários que convencidos da verdade reforçam o alcance das fantasias. Por isso, torna-se comum se deparar com perfis onde usuários ousam cada vez mais, reforçando em cada postagem, seus posicionamentos políticos, ou veias de humor, facetas de sensualidade, atributos de vigor físico e de vida saudável, numa tentativa, as vezes desesperada, de atrair "likes" e um número cada vez maior de seguidores.
Ler alguns perfis deixa claro que são produzidos para suprir demandas pessoais, exteriorizar desejos, ampliar fantasias, potencializar ideias e fazer circular no ambiente público as experiências diárias pela telepresença e necessidades bem peculiares. Quando tais necessidades não são supridas, muitos usuários experimentam frustrações que geram ansiedade e em alguns casos o desespero. O desejo em querer experimentar constantemente o prazer da evidenciação e aceitação pública, por meio de likes em suas publicações, leva alguns internautas à superexposição, deixando-os vulneráveis à oportunistas que se alimentam como parasitas emocionais de suas carências e desejos reprimidos, seja pelo compartilhamento de nudes enviadas à determinados usuários, ou na discursivização de fotos ousadas postadas deliberadamente em redes sociais.
A questão central é: o uso constante de tais redes sociais cria, em alguns internautas, compulsividade e ansiedade em demasia em relação à performance de suas postagens no mundo virtual. Algumas pessoas produzem realidades paralelas vivendo em torno de suas fantasias virtuais o que leva muitas vezes ao excesso de exposição nas redes sociais, o que ocasiona graves problemas de ordem moral e social.
O autor é doutorando do Programa de Educação Sexual pela Unesp de Araraquara. Pesquisador na área de Redes Sociais. Professor na Instituição Toledo de Ensino. usi@ite.edu.br
Leia também aqui
Filtros